quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

[Das grandes] Descobertas



Tinha oito anos. Só isso já fazia dele um ser – branquinho e rolicinho – potencialmente interessante. Seus cabelos escorridos em forma de tigela e o tom aloirado tornavam aquele rosto, vermelho e suado, engraçado. Estava especialmente agitado naquele fim de tarde. Chegava em casa após um dia na escola e, com seu conjunto de uniforme vermelho, ganhava a corrida imaginária entre o estacionamento do prédio, onde morava em Higienópolis, até a portaria.

Ele disputava o percurso sozinho, mas ao chegar na calçada era como se vencesse um batalhão de quenianos. (Eles, na verdade, deviam estar ali, eu que não conseguia captá-los). Ali, encontrou a mulher que o cria e protege desde as primeiras semanas de vida e pela qual ele nutre carinho. Ficou surpreso ao ver lágrimas chovendo do seu rosto. Do alto da sua vontade de entender o mundo e o que se passa na cabeça daqueles seres grandes, esquisitos e desengonçados, soltou: – Por que está chorando?

A mulher mal podia esconder a tristeza, mas conseguiu balbuciar uma resposta que o deixaria ainda mais intrigado: – Porque sou gente, oras!

Pela primeira vez, o rosto dele tomava um tom grave e perdia parte da energia, afoitamento e alegria de quem só se preocupa em ganhar corridas imaginárias, vencer em jogos virtuais ou ter que escolher entre sorvete de morango ou picolé de chocolate. Agora a frase reverberava em seu ser e talvez ele a soltasse inconscientemente da próxima vez que caísse de bicicleta e tentasse amenizar a dor da mesma forma que a mãe fazia agora.

Seu mundo reacomodou-se de volta na pequena cabeça rechonchuda de bochechas rosadas. A mulher parecia esperar por alguém que não vinha mais. Nem percebia que ele queria entregar a chave do carro, estacionado na garagem, por um funcionário do condomínio. Aquele menino paulistano também achava os adultos enigmáticos. Ora tão preocupados com chaves e carros, ora desesperados porque era ele quem chorava, resolviam esquecer de tudo isso e entristecer simplesmente por que eram gente.

Um tipo de ser que aos poucos vai escondendo o pranto e esquecendo o quanto ele alivia e desengasga. Com a hipocrisia de manter a imagem social de pessoa forte, vão reprimindo as lágrimas que seriam suas, mas acabam pagando por chorar o sentimento alheio no teatro ou no cinema, embarcando numa tristeza que também é deles. Situações que tornam esses seres gente de novo, pelo menos por alguns momentos. Mas que o menino ainda não sabia simular. Apenas fazia. E, assim, agarrou a mão da mãe e dos olhos, agora também vermelhos, brotaram uma gota. E por gente ser, também chorou.

[De uma vida real e imaginada - agosto 2009/janeiro 2010]

Entre Aspas: Não há simples acaso, o acaso é sempre complexo. Vivian Whiteman.